Largo São Bento, o berço do Hip-Hop brasileiro

By 14/03/2018 maio 22nd, 2019 História

“Com o passar do tempo, isso já por volta de 1987, sem que nós procurássemos ninguém, todo mundo começou a ir à São Bento. Nunca ligamos para um jornal, revista ou emissora de televisão, e de repente o local estava cheio de jornalistas querendo fazer matérias”

É o que diz em sua biografia o rapper Thaíde sobre as origens do Hip-Hop em São Paulo e a importância do Largo São Bento na difusão do movimento pelo país. Em 1987, o local já estava consolidado como o point do Hip-Hop na cidade – e no país. Mas essa história começou alguns anos antes.

No início da década de 1980, inspirado pela novidade que vinha dos EUA, o pernambucano Nelson Triunfo e seu conjunto, a Funk & Cia, se reuniam na Rua 24 de Maio, em frente ao local hoje conhecido como Galeria do Rock, para dançar break.

Aqueles passos diferentes e impressionantes, aliados ao visual e à cabeleira black power, não demoraram para chamar atenção. E o movimento foi crescendo.

“Acho que era 1983, um cara falou: ‘ou, Humberto, você que gosta de tocar, tem uns caras lá na 24 de Maio da dança do robô que é foda’. Na hora nós catamos um trem e fomos pra lá. Foi a primeira vez que eu vi o Nelsão e toda crew”, relata DJ Hum, outro ícone do Hip-Hop, em documentário sobre a história do movimento no Largo São Bento (assista abaixo). O local passou a ser referência do ritmo.

Foto – Reprodução Youtube

No entanto, a aglomeração de pessoas no local também resultou na repressão policial – vale lembrar que o país ainda era governado pela ditadura militar.

A 24 de Maio foi o epicentro do Hip-Hop paulistano até o final de 1984, quando, por questões de saúde, Nelson Triunfo teve que se afastar da dança por um tempo. Quando retornou, em 1985, o point era outro: o Largo São Bento, logo aos pés do mosteiro que leva o mesmo nome.

A ideia partiu dos b-boys João Break e Luisinho, que tiveram a ideia de deixar o Largo Tiradentes para ir ao São Bento. Não demorou para que o local se tornasse o centro nacional do Hip-Hop.

Representantes do movimento de toda a cidade passaram a ser reunir a cada sábado no local. A São Bento ficava lotada de gente para acompanhar as batalhas de break – ou rachas, como eram chamadas. Grupos como Back Spin Crew, Street Warriors, Crazy Crew, Fantastic Force e Nação Zulu se enfrentavam diante do público que observava os impressionantes passos de dança.

Não apenas dançarinos se reuniam lá, mas também rappers, DJs, grafiteiros – todos os elementos da cultura Hip-Hop se instalaram no Largo São Bento. O largo passou a ser a grande escola do movimento em São Paulo. De dia, as pessoas se juntavam para trocar experiências e praticar. À noite, levavam seus passos e beats para as festas por toda a cidade.

“Por isso que a gente fala que o São Bento é o berço do Hip-Hop no Brasil. Foi daqui que a coisa começou a acontecer”, diz Marcelinho Back Spin, outro ícone do movimento no Brasil.

Back Spin , Street Warriors, JR Blow e outros bboys da época. Foto: arquivo pessoal de Marcelinho Back Spin.

Só que a troca de experiências também gerou rivalidade. Afinal, ninguém gostava de perder os rachas. A fórmula dos duelos era simples: abre a roda, uma gangue dança contra a outra e o público decide fazendo barulho. Quem empolgar mais a galera permanece, quem perder sai do espaço.

Esse clima durou até 1987, quando as crews se reuniram para uma trégua. A união dos grupos resultou no projeto “Hip-Hop Cultura de Rua”, o primeiro disco exclusivamente de rap do Brasil. Produzido por Nasi e André Jung, da banda de rock Ira!, o álbum era composto por músicas de Thaíde & DJ Hum, Código 13, MC Jack e O Credo.

A cada dia o Hip-Hop tinha mais destaque no país. Mas, aos poucos, isso contribuiu para o esvaziamento da São Bento. Afinal, compromissos externos dificultavam a frequência no local aos sábados.

Diante desse cenário, Marcelinho Back Spin teve uma ideia: criar a 1ª Mostra Nacional de Hip-Hop. Não por acaso, o evento foi um sucesso. Mais de 10 mil pessoas se acomodaram como podiam pelo Largo São Bento para acompanhar as batalhas com b-boys que vieram de Brasília, Belo Horizonte, interior de São Paulo e outros cantos do Brasil.

No fim das contas, a popularização do Hip-Hop resultou no fim dos encontros no Largo São Bento, que duraram até 1998. Atualmente, “o movimento Hip-Hop tem outra cara, acontece descentralizado nos bairros, é orgânico e utilizado como ferramenta de educação, conscientização da comunidade e das pessoas”, como explica Marcelinho Back Spin.

“Ninguém nunca imaginou que fosse acabar”, disseram os grafiteiros Osgêmeos, que começaram na São Bento e hoje são conhecidos por todo o mundo.

Os Gemeos começaram a grafitar na década de 1980 e hoje têm obras por todo o mundo (Facebook/Os Gemeos)

Se atualmente o Hip-Hop é conhecido e difundido por todo o país, é por causa daquela galera que quebrava tudo aos pés do Mosteiro São Bento.

Imagem de destaque:
Arquivo pessoal: Marcelinho Back Spin

O Pátio Metrô São Bento é um empreendimento comercial em implantação no Largo São Bento, bem aos pés do Mosteiro São Bento. O espaço contará com opções de gastronomia, varejo e serviços, sempre com o objetivo de simplificar a vida de quem frequenta a região. Nós sabemos da importância do lugar onde estamos e sempre buscamos valorizar a cultura e a história daqui.